segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Menina do Sapato Vermelho

 
 

A menina não usava sapatos. Não porque não quisesse, mas porque seus pais eram tão pobres que não tinham dinheiro para comprar par de sapatos decentes como ela merecia. Ela só usava chinelos e um par de sapatos velhos quando ia para a igreja aos domingos. Na igreja a menina observava os pés das meninas. Apenas os pés. Não se importava com os vestidos com estampas miúdas de flores e nem com os vestidos com fitas coloridas, tampouco prestava atenção nas borboletas delicadas aplicadas com cuidado sobre o tecido de algodão. Se ela se interessava pelos babados que faziam com que as meninas parecessem um bolo de festa? Nem! As meninas ficavam como o bolo que ela via na padaria da esquina que ficava sempre cheia de gente gulosa e chique. A mãe da menina dizia que para aquela padaria iam as pessoas mais ricas da cidade. “Aqui, a bola do sorvete custa o mesmo que um pacote de arroz de cinco quilos do bom”, dizia sua mãe que nunca pudera comprar um pacote de arroz do bom. Aliás, com a evolução da enfermidade do pai da menina, comiam do que o padre mandava. O padre era gente muito boa que se preocupava com os seus paroquianos pobres. Ele juntava as migalhas que os paroquianos ricos deixavam na casa paroquial para doação a fim de terem suas culpas aliviadas e arrumava cestas de alimentos com a ajuda da dona Cida, senhora muito devota e caridosa que sempre esteve ao lado do padre desde que para ali ele chegou, quando ainda bem moço, recém saído do seminário. Em meio a conversas sérias e a fofocas, ele e a dona Cida organizavam com capricho as cestas de alimentos. Tomavam o cuidado para que todos tivessem os mesmos alimentos e o mesmo tanto de cada um deles.“Repartir, dona Cida. Repartir é o segredo. Jesus alimentou uma multidão com cinco pães e dois peixes. E é preciso ser justo”. A menina que não tinha sapatos decentes como merecia, não ligava para os vestidos e nem para os sorvetes e doces da rica padaria, mas achava um absurdo uma bola de sorvete custar o mesmo tanto que um saco com cinco quilos de arroz. O sorvete acabaria num minuto. O saco de arroz, bem regrado, duraria vários dias. A menina que não tinha sapatos, tinha muitos pensamentos, e pensava que não compreendia muitas coisas. O tempo passou para todos como deve passar e o pai da menina morreu, e a morte do pai trouxe tristeza, mas também trouxe alegria. E os pensamentos da menina pensaram que essa vida é muito esquisita: com a morte do pai, as despesas com remédios acabaram e, como não havia mais o pai para inspirar cuidados, a mãe pode trabalhar. “Vamos ter dois salários: a pensão do seu pai e o meu”,  disse a mãe. Assim que a mãe da menina recebeu a primeira pensão do marido, ela que sabia o quanto sua filha sonhava em ter sapatos decentes como ela merecia, a levou numa uma sapataria. O sapato escolhido foi comprado em prestações, era vermelho e de verniz. Os pés da menina doíam um pouco quando neles estavam calçados, mas aos domingos na missa, sentia-se como a princesa do sapato de vidro. A menina também ganhou vestidos. A mãe guardou o primeiro sapato decente que a menina teve. E a menina, mulher charmosa que se fez, tem sempre um par de sapatos novos vermelhos na sua sapateira.

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