sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Você é Feito de Que?



"Do que você é feita?" Ele me perguntou, sem mais nem menos.
Confesso que fiquei surpresa, pois não esperava que ele me fizesse uma pergunta assim. Parei. Pensei. Dei aquela coçadinha básica na cabeça (nesse momento senti um ponto de interrogação se formar em meu rosto). Respirei bem fundo, até conseguir sentir o ar caminhando entre os meus pulmões. Falei.
"Biologogicamente sou feita por células, membros, neurônios, articulações, pequenas cavidades, água, algumas bactérias e por uma recente miopia que não me permite enxergar o mundo só com os meus próprios olhos".
Parei de falar, assim como para recuperar o fôlego e quando dei por mim, ele me olhava com um olhar atônito, um sorriso meia boca e creio que com o mesmo ponto de interrogação que havia surgido em meu rosto há alguns segundos atrás. Fôlego recuperado, continuei. 
" Mas todo esse papo biológico pouco importa, porque o que me faz sentir viva vai muito além disso. Sou feita, verdadeira e completamente dos fatos que vejo, das músicas que ouço, dos livros que leio, dos amigos que me rodeiam, da família que me ergue, dos passos que dou em busca de bons caminhos. Sou feita do silêncio que volta e meia me deixo abraçar, dos amores correspondidos e dos que também não são, das mentiras e verdades, princípios e perspectivas. Sou feita dos sonhos realizados e dos não realizados, dos meus desejos, das minhas contradições, dos planos que em nada deram e daqueles que ainda estou para conquistar. Sou um corpo quente, com mãos e pés quentes e o sangue fervente. Enfim, acho que sou feita de inúmeros e misturados sentimentos num só universo".
Depois de ter dito tudo aquilo, ele me olhou com aquele olhar sério, sorriu um sorriso que não parecia ser bem um sorriso, apertou a minha mão e disse "ok, estamos entrevistando mais algumas pessoas e qualquer coisa a gente liga".
Eu não acho que essa ligação vá realmente acontecer...

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Meu Ideal Seria Escrever...



Um dia, eu hei de escrever metade do que esse distinto senhor escreve. E eu hei de escrever algo tão engraçado que faça as pessoas rirem aquele riso de doer a barriga e faltar o ar, porque o riso é terapêutico, conforta o coração e desopila a mente cansada.

Por Rubem Braga
 
"Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse -- "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago -- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem -- "mas de onde é que você tirou essa história?" -- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro."

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Olimpíadas, a Gente Vê Por Aqui?


Por Rafael Farnezi

São ridículas as cobranças que recaem sobre os atletas brasileiros especificamente nesse período de Olimpíadas. Ter que ouvir de repórteres, ler em revistas e jornais aquele infeliz comentário de que fulano decepcionou, de que ciclano tem obrigação de ganhar, entre muitos outros comentários do mesmo tipo, é revoltante. Esquecem que durante os quatro anos que separam uma olimpíada de outra, eles são totalmente esquecidos e lutam com todas as suas forças, força essa que deveria ser direcionada apenas para melhorar seu rendimento, para conseguir, por exemplo, uma inscrição de uma determinada competição, bancar uma passagem aérea para competir, ter uma boa suplementação, ter um equipamento básico, e muitas reticências, pois os exemplos do que o atleta brasileiro passa para tentar figurar entre os melhores do mundo são inacreditáveis. Hoje tivemos um exemplo vergonhoso de como nosso país não dá a mínima para qualquer modalidade que não o futebol. Durante a prova de ciclismo, na modalidade de contra-relógio, o brasileiro Magno Prado largou com seu uniforme preso por alfinetes, pois o zíper estragou e não fechou, dá pra acreditar que um atleta de nível olímpico, o mais alto conhecido, não tem nem se quer um uniforme reserva? Isso parece piada, mas vindo do Brasil nada é surpresa. Infelizmente tenho que concordar que o Brasil é o país do futebol, isso é mais do que claro, e esse sim é o único esporte que o Brasil tem a obrigação de no mínimo conquistar o 1º lugar, não considero nada menor do que isso aceitável, pois é nele que todo o dinheiro do nosso país é destinado, é nele que estão as grandes "estrelas" multi milionárias que rasgam dinheiro para chutar uma bola. Já que todas as outras modalidades vivem sobre sua sombra, o mínimo que se espera é uma medalha de ouro. Em uma Olimpíada são distribuídas as seguintes quantidades de medalha por modalidade:

Atletismo 141 medalhas; Natação 102; Ciclismo 63, Tiro 45; Ginástica 42; Boxe 39; Futebol 6.
Isso explica algo? Que infelicidade essa escolha de torrar tudo no futebol, mas já que é assim, a cobrança de todos os verdadeiros atletas, deveria ser proibida! Os críticos de plantão que a meu ver não entendem nada de esporte, só de futebol, deveriam beijar o chão que eles pisam e serem gratos, pois só o fato desses atletas terem conseguido chegar a uma Olimpíada, por conta própria, já é uma conquista muito maior do que qualquer jogador de futebol um dia vai sonhar em conseguir.