quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Canalha



O canalha não tem jeito mesmo. E nunca terá. Ele é o sociopata do amor. Inspira confiança e expira mentiras. E você, na falta de algo melhor, vai respirando esse ar sedutor. No alto dos seus 1,70m de mulher independente, forte e sedutora, você sempre acha que pode consertá-lo. Esqueça! Você está apaixonada e o antídoto para o canalha é o desprezo. O canalha finge que não é um canalha. Posa de bom moço, carente, apaixonado e infeliz. E você acredita ser a salvação dessa alma perdida, depois de tantas desilusões amorosas. O canalha cria uma nova identidade, mas sem registro em cartório. Ele age por instinto, não sabe ser de outra forma. A sedução faz parte da sua sobrevivência emocional. Ele é uma fera e você o prato de comida. Mas ele tem um jeitinho tão meigo, uma conversa tão bacana, não é mesmo? O canalha é inteligente, sagaz, enigmático e te faz rir. Pronto, o cara perfeito. O único porém é que ele nunca será completamente seu. Amar um canalha é entrega sem devolução. A submissão é ingrata: revolta, mas apaixona. O canalha é o disfarce da conquista, máscara do engano. E é justamente isso que te encanta nele. Ele sorri em versos, fala em melodia e te decifra com os olhos. O canalha parece ter o manual de instruções para seduzir. E faz isso sem nenhuma força. Você consegue ver sensualidade nele caminhando na rua, tomando whisky, acendendo um cigarro e até dirigindo. O canalha nem bonito é, mas parece ter nascido para desafiar o seu bom gosto. Ele faz você escutar músicas que você nem sabia que existiam, faz você pesquisar textos e frases que traduzam o que você está sentindo. Faz você acordar de manhã e lembrar dele, pelo menos, na hora de passar o perfume. O canalha não pede, manda. Você adora e depois se odeia. Tenta escapar e horas depois, cai numa armadilha. Mas não fique triste, o canalha é o “teste drive” para qualquer corrida amorosa. É pré-requisito para as provas de amor. Toda mulher precisa de um bom e cruel canalha no seu caminho para encontrar o próprio valor. Somente depois de alguns meses mendigando atenção e se alimentando de mentiras cobertas por uma camada de ilusão, que você vai encontrar a correspondência do seu amor. Não nele, claro. Mas antes do coração achar o endereço certo para se apaixonar, é preciso primeiro ter garantias. É a conquista do chamado amor próprio. Amar um canalha faz parte da vida, é a construção de si mesma, leitura obrigatória para o vestibular sentimental que vem pela frente. Estar com um canalha é mais do que necessário. É gostoso. Mas definitivamente não vale a pena.

domingo, 23 de junho de 2013

Minorias Não Destituem Governos, Menino

 
Minorias não destituem governos, menino. É simples.
Tenho visto por aí propostas malucas de impeachment da Presidente, uns “Fora Dilma” aqui, uns “fora Alckmin” acolá. Li hoje, em algum lugar, de um menino de 17 anos: “Tiramos o Collor, podemos tirar a Dilma”. Primeiro, é um puta humanismo essa história de se apropriar da conquista de outrem, concreta, e torná-la própria e abstrata. Como se d
issesse “chegamos à Lua” e realmente se tivesse chegado. Por si mesmo. Mas beleza, entendo e até compartilho de algumas irresignações – com relação a Dilma e Alckmin.
Agora vamos esclarecer ao humanista aí alguns pontos que distanciam um caso do outro e inviabilizam o impeachment (tanto de Dilma como de Alckmin, para não dizer que estou “sendo” petista).
Lá nos idos de 1990, quando Collor caía aos 36% de aprovação – após ter chegado ao poder com 71% de expectativa positiva – extinguiam-se 920 mil vagas de trabalho. A inflação bateu os 1.200% anuais (você, indignado, sabe do que se trata?) e o senhor Presidente da República era denunciado pelo próprio irmão pela prática de corrupção juntamente com seu tesoureiro P. C. Farias.
Perceba que Collor ganhou a eleição em segundo turno com 50,01% dos votos válidos, depois daquela fatídica manipulação do debate eleitoral eternizada para as gerações vindouras (você, jovem insurgente) pela BBC de Londres, no documentário “Muito Além do Cidadão Kane” (que, aliás, você precisa assistir – tem completo no YouTube).
No momento do impeachment, Fernando Collor detinha míseros 9% de aprovação popular. Não possuía maioria no Congresso (dos 503 deputados, 441 votaram a favor), estava rompido com segmentos importantes da Sociedade, mergulhado em denúncias de corrupção e havia perdido o apoio da Rede Globo (que o elegera). Nos anos que se seguiram (92 a 02) a taxa de desemprego subiu 40%.
Dilma foi eleita com 56,05% dos votos válidos e, ao contrário do que se propaga no Facebook, apenas 1/3 do seu eleitorado recebe algum tipo de “Bolsa”. 50% do seu eleitorado são da classe média (C e, portanto, está entre seus pares, querido amigo politicamente engajado). Dilma goza também de um cenário bem mais favorável, pois os índices de desemprego nunca foram tão baixos (apesar da recessão e do desaquecimento do mercado). Diga-se de passagem, chegamos a esses números no decorrer dos últimos dois governos dos “PTralhas”.
Agora, olha que interessante: lembra-se que 50% do eleitorado da Dilma estão entre vossos pares da classe média? Então. Essa classe média, que representava 34,96% da sociedade em 1992 (época do nosso querido Collor, inspirador dos seus desejos de impeachment) se transformou, em 2010, em 52% da população. Ao passo que entre aqueles que recebem “algum tipo de bolsa” – a dita classe D e os abaixo da linha de pobreza (“bolsa” que você tanto abomina e em outro post vou explicar o porquê de você não saber nem sequer do que se trata), 19 milhões migraram para estratificações superiores. Assim, ó: “Abracadabra!”
Portanto, ali, naquela zona cinzenta e amórfica que ninguém quer reconhecer que existe, aquela massa incômoda que tem direitos, com a qual a sociedade brasileira tem uma dívida histórica imensa, e que constitui 1/3 do eleitorado de Dilma, há ali, hoje, 8,5% da população.
Quanto à Bolsa Família, diz a Wikipedia: “Foi considerado um dos principais programas de combate à pobreza do mundo, tendo sido nomeado como "um esquema anti-pobreza originado na América Latina que está ganhando adeptos mundo afora" pela britânica The Economist. Ainda de acordo com a publicação, os governos de todo o mundo estão de olho no programa. O jornal francês Le Monde reporta: "O programa Bolsa Família amplia, sobretudo, o acesso à educação, a qual representa a melhor arma, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, contra a pobreza." Para esclarecer, recebem algum tipo de bolsa (mecanismo condicional de transferência de recursos, também amplamente adotado por FHC (Ohhhh!!!), pessoas cuja renda mensal está abaixo de R$ 140,00, ou seja, pessoas que, se fossem esperar pelo aprendizado da pesca, como você defende, morreriam de fome - dá a vara não, pra ver. Ao passo que, segundo o estudo "A Evolução da Classe Média e o seu Impacto no Varejo – Diagnósticos e tendências" – 2012, da FECOMERCIO SP (não são dados governamentais, veja bem, mas sim da Federação do Comércio de SP), 40 milhões de pessoas ascenderam às classes C e B entre 2003. Entenda-se por classe média aquela composta por aquelas famílias que possuem renda entre R$ 1.400,00 e R$ 7.000,00 e na qual Dilma abocanha mais de 50% dos votos.
Em suma, embora haja motivos para que você esteja bastante fulo, nobre revolucionário - desmandos, corrupção, ausência de controle e uso político dos benefícios, etc., etc. -, a conjuntura é bem diferente daquela que, em 1992, legitimara o movimento pelo impeachment de Fernando Collor. Mas perfeitamente justificável seu equívoco, já que você não estava lá, né?
Portanto, para finalizar, não vamos nos desgastar em pleitos elitizados e desconexos dos anseios populares que, embora justos, não justificam o Golpe Político. Porque é espernear que nem moleque mimado contra a vontade da maioria. É querer impor sua vontade só porque ela é sua, e a “sua” concepção de como as coisas deveriam ser. Ou, no mínimo, embase-se. Estude as questões que pretende combater, arregimente argumentos válidos, ouça o outro lado, para não cair no risco do ridículo. Saiba o que é a PEC 37, a PEC 33, o que é o Estatuto do Nascituro, o projeto de lei conhecido como “Cura Gay”. Lembre-se que Renan Calheiros continua lá, firme e forte, apesar das mais de dois milhões de assinaturas pedindo sua renúncia. Lembre-se que os estádios da Copa estão praticamente terminados e ninguém auditou isso.
Outra coisa: gritar contra a corrupção, a favor da saúde, contra a violência, assim, de forma vaga e generalizada, pode ser muito nobre, porém, inofensivo. Generalizando, não se dá nome aos bois, e, portanto, os bois não vestem a carapuça. E o Estado, cobrado, não tem a quem efetivamente cobrar. Além do mais, todos são, num grau ou outro, a favor desses valores universais.
Deixo claro que isso aqui não é uma defesa do PT. Estou cagando e andando pro PT. É em defesa da razão, da consciência, e é também o máximo que farei por isso. Protesto veementemente contra as regras da cartilha trotskista que agora surgem, num oportunismo bisonho dos revolucionários dos Jardins, do Cerqueira César, que elucubram entre um trago e outro do seu uísque irlandês em meio a baforadas de Cohiba. Querem ditar? Desçam às ruas e nos convençam.
Mas, enfim, é isso. Confio em você, menino. Confio no seu talento inato para a irresignação, para a luta, para o inconformismo, que é o que importa. E o mais significativo você já fez: tirou do sofá a mim e a minha geração e nos levou de volta para a rua. E lhe somos grato por isso.
Vamos à luta! (F.G.)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

E Esse É O Fim?

E estamos há 13 anos no século XXI e ainda tem homem que acha que cantada de pedreiro funciona e que acha bacana dizer que pega muita mulher; 2013 passando e ainda tem mulher procurando um marido que pague as contas; Em pleno 2013 e ainda tem criança que se joga no chão do supermercado e gente que joga o lixo na rua. Meados de 2013 e ainda tem homem que diz "isso-
nunca-me-aconteceu-antes"; e gente que solta pum no elevador. Ainda tem mulher que dá telefone errado na balada, e agindo assim espera encontrar um cara legal.  Século XXI passando como um foguete e você aí, sendo sustentada pelo marido e achando muito natural não trabalhar e dividir as contas em casa; ainda tem gente rindo da cara de alguém só por ele ser mais baixo, gordo, orelhudo ou muito alto. 4º mês de 2013 e você fica feliz ao ver na revista que a Juliana Paes também tem celulite; e você ainda usa a desculpa do "não-é-você-sou-eu". 2013 e tem gente que segue achando que é bonito ser feio. Daqui a pouco estaremos no final de 2013 e a gurizada ainda não sabe como se prevenir de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. 2013 seguindo ladeira abaixo e ainda tem amigo que alfineta o outro só pra se sentir melhor e  ainda têm aqueles que precisa humilhar o outro apenas para se sentir bem. 2013 passando e a mulherada com medo de assumir na boa que vê - e gosta - de filme pornô. 2013 descendo esgoto abaixo e tem gente que segue não fazendo nada quando vê uma injustiça e continua sem amar o próximo. Século XXI instaurado e há crianças, idosos e bichos que continuam sendo maltratados por gente sem coração. 2013 passando pelos nossos olhos e ainda há gente que somos obrigados a engolir intolerância, falta de respeito, falta de amor e falta de vergonha na cara. 2013 logo logo acaba e você aí achando que o que importa é que enquanto o mal não chegar na sua casa, você só precisa se fazer de cego. 2013 acontecendo e tem gente que ainda acredita que o cara lá de cima vai resolver as suas vidas se você não correr atrás. 2013 passando e gente rezando "que-venha-2016-ano-da-copa-feriados-putaria-e-cerveja". 2013 caminhando não sei para onde e gente que não aceita que todo carnaval tem seu fim e fingindo ser feliz ao invés de procurar maneiras de ser.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Meio Termo? Hum, melhor não...







E há algum tempo venho acordando inteira. Migalhas? Pedaços? Não, obrigada. Isso não me pertence mais. Não gosto de nada que seja metade. Não gosto de meio termo. Gosto dos extremos. Gosto do frio. Gosto do quente (principalmente a depender do momento). Gosto dos dedinhos do pé congelados ou do calor que me faz suar o cabelo.Não gosto do morno. Não gosto da temperatura ambiente. Na verdade eu quero tudo. Ou quero nada. Por favor, nada de pouco quando o mundo é meu. Não sei sentir em doses homeopáticas, sempre fui daquelas que falam "eu te amo" quando realmente amam. Seja pela voz, pelo olhar ou pelo toque. Sempre fui daquelas que quando vão embora, nem sequer olham para trás. Afinal quem vive de passado é museu e o meu passado, resolvo na terapia. Sempre dei minha cara à tapa por aquilo que eu acredito. Sempre, aos meus termos, preferi o certo ao duvidoso. Sempre quis que as pessoas que estivessem comigo, estejam lá de verdade, não somente naquele momento, mesmo que elas mudem de ideia no dia seguinte. Hoje, não sei mais segurar nó na garganta: desentalo, falo, grito, esperneio e bato o pé. E hoje me perguntam: "mas tá bom assim"? Claro que está! Até quando não sei, porque recuso a me engessar e quando não estiver bom, deixo a vida me levar por outro caminho, me levar para viver novas histórias e descobrir novas formas de agir e pensar.

sábado, 2 de março de 2013

Crescer Deve Ser Assim...



Eu acho que crescer deve ser isso, quando você se dá conta de que temos a triste mania de acreditar que podemos ser donos de outras pessoas, que o simples fato de amarmos alguém nos dá o direito de posse. Triste e tola convicção. O crescer está quando você finalmente percebe que as pessoas não são propriedades e que cada ser é livre para ir e vir a hora que bem entender, inclusive nós mesmos. O fato de sentirmos amor por outra pessoa está muito longe de gerar no outro a obrigação de ficar ao nosso lado, nada pior do que ter e sentir essa obrigação, nada pior alguém ser obrigado a retribuir o nosso sentimento, de querer o mesmo que nós. 
Crescer é aceitar a naturalidade com que o ser humano deseja uma relação sólida e uma pessoa com quem dividir momento importantes, felicidade, tristeza, sonhos, prazeres  medos, conquistas, perdas...enfim, ter ao seu lado alguém que vá lhe trazer toneladas de sorrisos e E sentimentos que farão nossos dias serem melhores e nossa existência real.
E enquanto esse lance rolar, maravilha, afinal nada é garantido nesse mundo de Deus. A qualquer momento essa pessoa ou nós mesmos podemos querer tomar outro rumo, seguir outra estrada, olhar outro horizonte, respirar outros ares e simplesmente ir rodar em outro bairro. A qualquer momento estamos sujeitos à nos deparar com uma curva no caminho e sermos pego pelas surpresas e pegadinhas que a vida nos prega. E é aí que mora o crescer: sua reação antes, durante e depois.
O importante é que a hora que a ficha acabar de cair, nós sejamos capazes de perceber que não existe nada mais precioso na vida de uma pessoa do que a LIBERDADE que lhe foi dada. A liberdade de espírito, de pensamentos, de crenças, de escolhas, de ir, de vir ou de ficar.
Crescer está em viver o amor no presente, está em doar, jogar e doar no exato momento em que ele está acontecendo. Descobrir, entender e aceitar que o ser amado é, antes de qualquer coisa, um ser livre, é o ponto chave da vida adulta, pois nós, como outro ser amado, não podemos impedir a caminhada de ninguém. Não somos donos de ninguém. Não mandamos nos sentimentos de ninguém. 
E aí, quando você realmente amadurece, você entende e sabe que pode zelar pelas nossas relações, criando sólidos motivos que proporcionem ao outro a vontade de ir, mas de querer, por conta própria, voltar. Não há nada melhor do que oferecer uma relação sadia, limpa, clara, maturidade, companheirismo, bom humor e sabedoria aqueles que amamos. E se mesmo assim, ele quiser partir, paciência! O que nos resta é chorar, sofrer e aceitar e seguir em frente de cabeça erguida, apenas à espera de que outra linda história surgirá.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Bom Par

E lá estou eu, voltando de um canto qualquer e uma cena me chama a atenção, um casal de velhinhos sentados no banco da praça, e você deve estar se perguntando "e daí"? A praça estava com árvores floridas, o chão decorado por flores, crianças brincando ao fundo, uma típica cena de novela. Na realidade o que me chamou a atenção foi o fato do velhinho segurar a mão de sua companheira para que ela sentasse confortavelmente, sentando logo em seguida. Ambos tomavam um sorvete, conversavam, riam feito duas crianças e agiam como se aquele fosse o primeiro encontro. O mundo girando, pessoas passando e nada deles tirarem um os olhos do outro. Foi aí que resolvi sentar e observar, e nesse observar me pus a pensar: eu realmente quero viver isso. Num mundo caótico, onde tudo passa rápido demais, onde cada passo e atitude parecem ser cronometrados, quero que um dia alguém passe por uma praça qualuqer e possa observar esse grande momento de felicidade. Quero ter uma velhice confortável ao lado da pessoa que me permiti amar e que permiti me amar, assim como a aparente vida desse casal. Quero olhar para o meu amado aos setenta e tantos anos e sentir como se o estivesse vendo pela primeira vez, quero sentir os meus olhos brilhar quando isso acontecer e quero que esse brilho seja percebido por aqueles que nos rodeiam. Não me importarei com as rugas que nos cobrirão o rosto ou se o vigor físico ainda será o mesmo, quero apenas ter sua mão para segurar e nossos braços para enlaçar. Quero sair com ele e me divertir a beça, como dois jovens que estão a descobrir o mundo. Quero estra em casa e discutir pelas mesmas tolices, uma toalha jogada na cama, um prato que não foi lavado, uma cama que não foi arrumada e um sapato jogado num canto qualquer. Quero contar as horas para chegar em casa só para poder olhar para ele. E após tanto imaginar e observar, levanto do banco, compro dois sorvetes, volto para casa com um sorriso idiota estampado no rosto e um sorvete derretido. Ele não entende nada, agradece o sorvete, mesmo que derretido, sorri de volta e diz "te amo". E é exatamente nesse momento que eu percebo, que esse pequena parcela do meu futuro não está tão distante de acontecer...



segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Menina do Sapato Vermelho

 
 

A menina não usava sapatos. Não porque não quisesse, mas porque seus pais eram tão pobres que não tinham dinheiro para comprar par de sapatos decentes como ela merecia. Ela só usava chinelos e um par de sapatos velhos quando ia para a igreja aos domingos. Na igreja a menina observava os pés das meninas. Apenas os pés. Não se importava com os vestidos com estampas miúdas de flores e nem com os vestidos com fitas coloridas, tampouco prestava atenção nas borboletas delicadas aplicadas com cuidado sobre o tecido de algodão. Se ela se interessava pelos babados que faziam com que as meninas parecessem um bolo de festa? Nem! As meninas ficavam como o bolo que ela via na padaria da esquina que ficava sempre cheia de gente gulosa e chique. A mãe da menina dizia que para aquela padaria iam as pessoas mais ricas da cidade. “Aqui, a bola do sorvete custa o mesmo que um pacote de arroz de cinco quilos do bom”, dizia sua mãe que nunca pudera comprar um pacote de arroz do bom. Aliás, com a evolução da enfermidade do pai da menina, comiam do que o padre mandava. O padre era gente muito boa que se preocupava com os seus paroquianos pobres. Ele juntava as migalhas que os paroquianos ricos deixavam na casa paroquial para doação a fim de terem suas culpas aliviadas e arrumava cestas de alimentos com a ajuda da dona Cida, senhora muito devota e caridosa que sempre esteve ao lado do padre desde que para ali ele chegou, quando ainda bem moço, recém saído do seminário. Em meio a conversas sérias e a fofocas, ele e a dona Cida organizavam com capricho as cestas de alimentos. Tomavam o cuidado para que todos tivessem os mesmos alimentos e o mesmo tanto de cada um deles.“Repartir, dona Cida. Repartir é o segredo. Jesus alimentou uma multidão com cinco pães e dois peixes. E é preciso ser justo”. A menina que não tinha sapatos decentes como merecia, não ligava para os vestidos e nem para os sorvetes e doces da rica padaria, mas achava um absurdo uma bola de sorvete custar o mesmo tanto que um saco com cinco quilos de arroz. O sorvete acabaria num minuto. O saco de arroz, bem regrado, duraria vários dias. A menina que não tinha sapatos, tinha muitos pensamentos, e pensava que não compreendia muitas coisas. O tempo passou para todos como deve passar e o pai da menina morreu, e a morte do pai trouxe tristeza, mas também trouxe alegria. E os pensamentos da menina pensaram que essa vida é muito esquisita: com a morte do pai, as despesas com remédios acabaram e, como não havia mais o pai para inspirar cuidados, a mãe pode trabalhar. “Vamos ter dois salários: a pensão do seu pai e o meu”,  disse a mãe. Assim que a mãe da menina recebeu a primeira pensão do marido, ela que sabia o quanto sua filha sonhava em ter sapatos decentes como ela merecia, a levou numa uma sapataria. O sapato escolhido foi comprado em prestações, era vermelho e de verniz. Os pés da menina doíam um pouco quando neles estavam calçados, mas aos domingos na missa, sentia-se como a princesa do sapato de vidro. A menina também ganhou vestidos. A mãe guardou o primeiro sapato decente que a menina teve. E a menina, mulher charmosa que se fez, tem sempre um par de sapatos novos vermelhos na sua sapateira.